Direito ao Espaço Público (VERDE)




Angola integra os países membros das Nações Unidas que firmaram o compromisso de implementar uma Agenda Universal assente em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas. Indivisíveis harmonizam os pilares do desenvolvimento sustentável: economia, social e ambiente orientando políticas e acções referentes à pobreza extrema, fome, prosperidade, paz, justiça, alterações climáticas, degradação ambiental e desigualdade.

A estratégia de desenvolvimento passa obrigatoriamente e segundo este paradigma internacional por um processo de urbanização que se quer mais inclusivo, verde, equitativo e compacto. Os planos urbanísticos e territoriais são as ferramentas essenciais e dinâmicas que garantem a distribuição da riqueza e da prosperidade num mix social. A estes instrumentos de gestão territorial recomenda-se que apresentem a rigidez esquelética da macroinfraestrutura e a flexibilidade da pele na distribuição dos usos e investimentos privados. Numa analogia simplista encare-se o planeamento territorial como um jogo de xadrez onde o tabuleiro representa a macroinfraestrutura e os equipamentos públicos; esta matriz rígida orienta a distribuição das diferentes peças (usos e valores). Nada impede que os peões se movimentem dentro da matriz rectangular desde que se cumpram algumas regras urbanísticas fundamentais à sustentabilidade da cidade e qualidade de vida dos seus habitantes.
Nesta saga pela eficiência económica versus demografia apela-se ao abolir da sectorização e monofuncionalidade de baixa densidade em benefício de cidades compactas e densas, dentro de um padrão de proximidade e de usos mistos e verdes.


Figura 1 - Central Park (Fonte:https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQS5hjltVA9BTkHKKKt9LPYQi-_YbPPqGoRSxDj7_tLRsfcR-TW)


Esta é a corrente global que guia a construção de cidades no mundo inteiro. Luanda não é excepção como podemos perceber da análise do Plano Director Geral Metropolitano de Luanda onde se prevê o crescimento vertical da cidade em função de uma população de aproximadamente 9 milhões de habitantes (fonte: PDMGL). Mas visualizando as imagens aéreas de Luanda percebe-se a ausência quase total de espaços abertos afectos ao uso público (praças, parques verdes, jardins, corredores verdes, parques ribeirinhos, etc).
Face a este cenário impera libertar entre 10 a 30% do solo para espaços de uso público através do crescimento vertical da cidade e expropriações/realojamento. É neste espaço democrático de articulação das partes que a vida da cidade se desenvolve, se constrói, se educa e se corrige. É aqui que se discute e vivencia diretamente os problemas que se pretende corrigir. Este direito à cidade alicerçado no espaço público é o caminho para a prevalência do interesse e prosperidade colectiva e da democracia social e económica.



Figura 2 - Central Park (Fonte http://kasaeconstrucao.com.br/wp-content/uploads/2018/03/parque02.jpg)

Garantida esta abordagem assente em direitos e dignidade humana abre-se a porta para a recuperação dos espaços colectivos aos que a privatizaram de forma abusiva ou mesmo por sobrevivência. E quais os espaços que devem ser convertidos em “espaços de uso comum e de posse colectiva”? Sabemos que a migração em busca de segurança, melhores condições num estado impossibilitado de dar resposta levou à ocupação dos espaços públicos para construção de habitação (musseques); mas também, e mais recentemente, se verificam casos de ocupação abusiva para diversos fins (estacionamentos, lojas, anexos, etc).
A libertação destes espaços garantirá a todos nós uma melhoria da qualidade de vida e da dignidade moradores de Luanda. Nos casos em que a construção realizada encontra-se consolidada deverá o proprietário compensar a comunidade no valor desse espaço mesmo que numa outra área.

Por onde começar?

Preservar o património natural existente através de Leis com multas e até penas de prisão.
Com o reconhecimento científico das alterações climáticas verifica-se no mundo uma viragem para a economia de carbono; o valor está cada vez mais associado à fauna, flora, recursos hídricos e paisagens em geral. Neste sentido, Angola encontra-se à frente de muitos países ditos desenvolvidos que já destruíram todo o seu património natural. Infelizmente Luanda apresenta ausência quase total de espaços verdes e árvores, pelo que é urgente transformar o verde público existente em património comum impedindo abate e destruição. (o abate de árvores deve ser proibido salvo raras excepções).

Canais ribeirinhos / parques ribeirinhos ou corredores ecológicos
Estes canais coincidem com linhas de água e as suas margens podem ser áreas inundáveis. A sua recuperação é prioritária pois muitos leitos de cheia encontram-se ocupados por habitações precárias com elevados riscos para a vida humana. Estas margens libertas de ocupações podem ser aproveitadas para parques lineares que garantem a infiltração das águas das chuvas e zonas tampão para as inundações.

Espaços verdes ocupados
Em toda a cidade verificamos com tristeza que os prédios mais antigos até aos mais recentes encontram-se privados de espaços verdes. Os mais antigos até possuíam áreas verdes que foram sendo tomadas para construção de anexos de apoio às habitações. Actualmente, constituem-se como acumuladores de lixos e perturbam a saúde pública e a vivência da cidade.
As torres e as construções mais recentes simplesmente privaram-se de garantir o que ditam as boas regras do ordenamento jurídico territorial, como sejam, as áreas permeáveis verdes para infiltração das águas, regulação climática e estacionamento.

Musseques / parques verdes
Não há dúvida o musseque é um tecido urbano importante para a cidade pela massa demográfica que alberga. Mas também é cientificamente comprovado (UNhabitat) que este aglomerado não apresenta as condições mínimas para a garantia da dignidade dos seus moradores.
A dignidade humana exige mais do que um tecto e demanda condições mínimas de habitabilidade (energia, água, esgotos, etc.) servida de uma rede de equipamentos públicos num raio de 500 a 1000m.
Sendo assim salvo espaços passíveis de requalificação o recomendável é a regeneração com todas as implicações económicas e político-sociais que daí advém.
Todo este processo carece de levantamentos que atestem o número de agregados familiares e respectivos rendimentos e titularidade da terra. Com base nestes levantamentos desenha-se uma estratégia de reassentamento populacional de preferência na mesma área.
Este processo de regeneração urbana garantirá uma taxa de ocupação de usos comerciais e residenciais que viabilizará o interesse dos investidores privados que se tornem parceiros desta iniciativa estatal.
Assim, permite-se a construção de um parque verde cuja área mínima rondará os 5 ha e a máxima os 25ha.

De referir que é vital que este espaço verde tenha conectividade com outros através de corredores lineares permitindo-se que os mesmos funcionem como corredores verdes ecológicos. Estes corredores verdes são elementos que aumentam a qualidade estética e ecológica dos espaços garantindo sombras e regulação térmica. Por outro lado, a presença deste contínuo verde público na cidade oferece aos cidadãos espaços de convívio e lazer em comunidade. Nestes espaços se manifesta a identidade cultural dos povos que perfazem a cidade.

Considerações finais
O direito à cidade e seu espaço público é uma certeza que não precisa de debate, em especial face à Agenda de desenvolvimento que Angola incorpora. O grande desafio é recriar o espaço público nas ruas de Luanda dado o índice de ocupação do território por construções que empurram a cidade e seus moradores para a autodestruição (inundações, saúde pública, baixa qualidade de vida, sedentarismo, exclusão social, pobreza, aquecimento, etc).
A salvação da cidade passa por crescer em altura, compensações ambientais e processos de reassentamento/realojamento. A equação de solução conjuga e interpenetra o sector público, privado e comunidades locais na regeneração e requalificação da cidade, de modo a fomentar a prosperidade das comunidades, a segurança pessoal e estimular a inovação e o emprego.
Os projectos e planos urbanísticos contemplarão acções de despoluição, de filtragem e de plantio grandes parques verdes que implementados trarão prosperidade para todos.
Que não demoremos mais a perceber a urgência de implementar projectos de regeneração urbana que é o grande desafio da cidade de Luanda.

Cristina Câmara
Arq. Paisagista (ordenamento do território).
Planeamento Regional e Urbano





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