Será Issaiko? - a questão do feitiço!!!!

Será Issaiko?

O livro tem como título uma questão? Uma questão que percorre toda a obra, e que nos remete a colocar em causa o nosso sistema individual de crenças e valores. Cada leitor parte crente ou descrente dessa sabedoria popular que subjuga seres humanos ao feitiço.
“Eu não acredito em bruxas mas que as há! Há!”

Este conhecimento vive do mistério subjacente a uma revelação sobrenatural tida por supostos clarividentes (kimbandeiros) e cuja veracidade é impossível atestar. Pressupõe-se “confiança cega” na palavra dos kimbandeiros que alegam “ver” mais além que todos os outros, e que dada essa clarividência podem “julgar espiritual e moralmente” seres que desprovidos de protecção social e judicial se vêm ostracizados e menosprezados.
Podemos não conseguir verificar a clarividência desses feiticeiros que julgam o espírito dos seres humanos, condenando-os arbitrariamente, por vezes, à morte. Mas podemos atestar sobre a maior parte das vítimas deste julgamento. E coincidentemente são na sua maioria mulheres, crianças e idosos. Podemos atestar que os ditos “profetas da desgraça” têm uma tendência geral de “atacar” vítimas de poder (físico, social e financeiro) reduzido na sociedade. A fragilidade destas vítimas vai provocar certamente debilidade na mobilização de apoiantes à sua causa e defesa. Para além de que os potenciais apoiantes receiam ser alvo da mesma “maldição” e consequentemente da exclusão social. Desta forma, este medo propagado constrói uma ditadura da injustiça para com os mais fracos. A exclusão propicia então um sistema de escravatura do feitiço.




Na obra Será Issaiko? David Matuca quebra o silêncio tumular que afunda a sociedade: o feitiço! David Matuca apossa-se prontamente desta realidade e toma medidas apropriadas para reinventá-la: virando o feitiço contra o feiticeiro. No conjunto o autor tece uma cultura de desvalores e crenças tradicionais assentes no senso comum mas com uma reforma revolucionária: a mulher é resguardada da danação. À maldição de Issaiko David Matuca contrapõe o Amor de quem tudo suporta. Um amor demolidor que a personagem feminina Txahua mantém em toda a obra e que acaba por vencer qualquer maldição ou lógica popular.
O fraco jamais perdoa: o perdão é uma das características do forte.
Mahatma Gandhi

A solidez de valores de Txahua, mesmo contra o senso comum, permite-lhe ultrapassar a dor dos sucessivos actos de traição e condenação até que a verdade seja revelada. E esta revelação vem questionar não só o comportamento de um homem, mas o de uma cultura ávida em julgar com base em especulações e intrigas. Um conhecimento falível que assente no que se ouviu dizer, sem buscar evidências condena crianças, idosos e mulheres. A esta ignorância destrutiva contrapõe-se o conhecimento científico de relatórios médicos que explicam a morte de um recém-nascido por uma gravidez de risco. Um risco claramente acelerado pelo abandono cruel de um pai que renega o filho na altura em que a grávida requer apoio e estabilidade. Mas desconstruindo toda a lógica da solidariedade humana o feitiço sob a capa de Issaiko atira a culpa nas costas da vítima. Desta injustiça científica, humana e popular não seria de admirar que o desejo de vingança se fizesse sentir nesta mãe enlutada. Mas tal sentimento não cresce no coração de Txahua. E porque não?
Sem evocar Deus ou a teologia cristã em toda a escrita David Matuca imprime em Txahua o compromisso com o Amor patente na bíblia. Em todo processo de injúria, traição e infidelidade sofrida esta personagem mantém o seu compromisso na fé de que o amor tudo suporta e tudo vence. Até no momento em que a danação da esterilidade ataca Txitisso, Txahua é incapaz de se regozijar na felicidade da justiça merecida.
Devemos promover a coragem onde há medo , promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero. 

Nelson Mandela


No final retém-se num cenário quotidiano das tradições populares da matriz bantu a prova de que a cegueira popular ainda é lei, na forma de ISSAIKO. Para o autor esta cegueira popular não é desculpa para a inculpabilidade dos que atiram inocentes à fogueira na contínua caça das bruxas que persegue a Humanidade desde a época medieval. Inconformado com esta regra do feitiço defende a Lei Universal do Retorno como superior a qualquer cegueira: “aquilo que vocês fizeram com outros será feito com vocês”.

Lueji Dharma
Nzambi é Amor

21/03/2016

Comentários

  1. Um prefácio a altura do pensamento do autor da obra. será ISSAIKO? Brevemente

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